A segunda proposta de trabalho sugerida - realizar uma infografia tipográfica - exigiu um pouco da filosofia outside the box, na medida em que as infografias mais comuns recorrem aos elementos básicos da comunicação visual (já abordados nos trabalhos da proposta prévia) e, neste trabalho, o objetivo é enaltecer a tipografia e a palavra ou letra como expressão superlativa estética e lógica.
Brainstorming
Com este requisito em mente, colocámos várias hipóteses concetuais e temáticas. Como a sugestão de trabalho consistia sobretudo em escolher uma notícia ou texto, esta foi expandida, inicialmente, pois optámos por construir um léxico sobre a temática da autoridade - como reflexão sobre as recentes tensões sociais e políticas observáveis atualmente em vários países europeus (inclusivamente Portugal). Este tema inicial foi considerado por ser atual e por ser diretamente observável, pois é uma realidade com a qual temos algum grau de proximidade.
A nível de execução do tema, colocámos algumas ideias: poderia ser um padrão repetido, recorrendo à mesma expressão textual em cores alternadas (com um significado subjacente), ou ainda uma espécie de composição de caos organizado, recorrendo à repetição concêntrica de expressões, centradas literalmente num tema (ao centro duma composição quadrangular), tendo como itens organizadores a periodicidade das repetições em órbita e a rotação das palavras (ambos aliados à sequência de Fibonacci).
Estas ideias iniciais foram executadas. Chegámos à conclusão de que até eram interessantes para exprimir a ideia já definida, mas não se apropriavam da dimensão intemporal e da relevância social que o tema geral exigia. Ainda, a nível de perceção e leitura, não facilitavam a compreensão geral da ideia, pelo que foram descartadas.
Nova ideia. Conceito
Adaptámos o tema para especificar melhor uma situação de controlo, ubiquidade autoritária e ordem. Continuava a ser importante a atualidade - sendo que a intemporalidade é uma máxima que tentámos tocar com a nova inspiração decidida - 1984, de George Orwell.
O icónico livro retrata uma sociedade distópica, coordenada por um partido manipulativo e opressor encabeçado por uma mística figura, Big Brother. Considerámos que imensas temáticas abordadas nesta obra de ficção, publicada em 1949, se transportaram ao quotidiano atual, o que conquista o critério da intemporalidade que definimos inicialmente como objetivo temático.
Para transportar esta ideia à fruição, decidimos realizar uma infografia estilo nuvem de tags em forma de uma palavra (ver exemplo no post anterior). Apesar de não ser exatamente nova, esta ideia funciona pois a obra é um ícone, logo imediatamente reconhecível, permitindo recorrer ao poder do nome 1984 como forma, estando esta literalmente preenchida de conceitos alusivos ao mundo da Oceania, Eastasia e Eurasia. Para manter a referência à obra consistente, como fio condutor semântico, estes conceitos são, na verdade, expressões em Newspeak, a língua fictícia introduzida no contexto da sociedade liderada pelo Ingsoc, onde certas máximas de manipulação do pensamento e brainwashing estão, desde a raiz, embutidas.
Execução. Tipografia & cores
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(Composição final. Clique para ver em 1440x900, um dos possíveis enquadramentos) |
A fonte tinha de ser, à partida, séria, com um perfil legível e ordenado em caixa-alta. Modernidade e legibilidade constituíam ainda um grande interesse, portanto uma fonte sem serifas seria mais adequada.
Posteriormente, com o novo conceito que tomámos como definitivo, surgiram mais necessidades - tinha de ter grande variedade de pesos (55, 65, 75 - de acordo com o sistema de Frutiger, por exemplo), para incutir movimento e textura à composição e, ainda, tinha de oferecer pesos condensados ou comprimidos, de modo a facilitar a leitura superficial de 1984, pois estes reduzem a quantidade de white space entre palavras. Com estas exigências em mente, pesquisámos por várias fontes.
Apesar destes exemplos serem candidatos fiéis para o trabalho, decidimo-nos posteriormente por uma fonte com feições mais autoritárias.
Optámos pela fonte FF DIN. Foi criada em 1995 por Albert-Jan Pool, após lhe ter sido sugerido (por Erik Spiekermann, autor da FF Meta, uma das suas fontes mais conhecidas) que tentasse revitalizar a original DIN 1451, de 1923. Alguns dos usos mais reconhecíveis em Portugal incluem a corporate identity do Metro do Porto e os visuais da RTP (nomeadamente o Telejornal, que utiliza a mesma fonte condensada nos títulos e leads das notícias). Na Alemanha, desempenha um papel fulcral na sinalética dos transportes rodoviários. Ainda, um pouco pela Europa, a DIN surge inúmeras vezes em matrículas.
Como foi possível recorrer à cor nesta proposta, decidimos adiantar um pouco mais da história de 1984 e utilizámos tons de verde esbatidos. O objetivo é transmitir um ideário de aceitação plena (do Big Brother, segundo conta a história), enquanto um sobretom clínico e racional está espelhado no degradée de cinza para verde da tipografia em si. Com esta paleta inócua, relativamente à história, não pretendemos revelar demasiado ou projetar opiniões pessoais, antes criar uma atmosfera de curiosidade e aceitação no observador.
O processo de construção da imagem foi relativamente simples, embora tenha consumido bastante tempo e tenha sido bastante repetitivo. Os números foram definidos com um stroke para guiar o preenchimento, que foi posteriormente realizado palavra a palavra (à volta de 150 palavras). A parte mais complexa deste processo foi garantir que, uma vez oculto o stroke que servia de guia, o nome continuaria facilmente percetível. Para isto, e voltando a mencionar os princípios Gestalt estudados na primeira proposta, os vértices e curvaturas de cada letras foram alinhados com proximidade e semelhança aos contornos mais próximos, produzindo linhas imaginárias que o observador interpreta como sendo um número. Neste aspeto, a escolha duma tipografia tão condensada auxiliou na compreensão do todo, embora tenha sido emparelhada com trabalho extenso de tracking manual de cada palavra, de modo a incutir mais textura e variação à composição. O leading, embora seja diferenciado consoante o número, é mais constrito nas mudanças.
Em baixo da composição maior, as três máximas do Ingsoc, que representam o poder total do Partido e também a chave para este ser derrubado através da consciência política: "WAR IS PEACE. FREEDOM IS SLAVERY. IGNORANCE IS STRENGTH."
Estas três afirmações poderosas foram colocadas fora do contexto geral da composição para ganharem destaque e reafirmarem a importância da obra. Relativamente à composição, têm maior visibilidade e identificação por estarem destacadas e por recorrerem a um subtipo da DIN mais ligeiro.
Para executar o conceito, recorremos ao Illustrator devido não só à fácil manipulação e escalabilidade das imagens mas também pela abundância de controlos de texto e tipografia bastante flexíveis, que produzem bons resultados e auxiliam o efeito pretendido.
Usos reais
Para concluir, após apresentar as potenciais ideias, a ideia final, a execução e o porquê das escolhas feitas, refletimos sobre a possível aplicação desta composição no mundo real.
Não havendo um enquadramento proposto, ao contrário do trabalho realizado previamente, os usos desta imagem são praticamente ilimitados: outdoors, revistas, posters de lançamento, capas de livro, T-shirts, wallpapers, tecidos, etcetera.
Isto deve-se à variação de escalas que executámos na proposta, havendo quer pedaços de texto muito pequenos bons para leitura aproximada num suporte grande, quer palavras instantaneamente reconhecíveis a dimensões pequenas. Assim, a imagem não está restrita a um tipo de suporte ou de produção, permitindo uma flexibilidade aprazível. Na área do design de comunicação, estas são mais-valias que arrebatam certos projetos em detrimento de outros, como uma possível proposta de trabalho, por exemplo.
(Download em formato Illustrator. As fontes foram convertidas para paths)
Posteriormente, com o novo conceito que tomámos como definitivo, surgiram mais necessidades - tinha de ter grande variedade de pesos (55, 65, 75 - de acordo com o sistema de Frutiger, por exemplo), para incutir movimento e textura à composição e, ainda, tinha de oferecer pesos condensados ou comprimidos, de modo a facilitar a leitura superficial de 1984, pois estes reduzem a quantidade de white space entre palavras. Com estas exigências em mente, pesquisámos por várias fontes.
Apesar destes exemplos serem candidatos fiéis para o trabalho, decidimo-nos posteriormente por uma fonte com feições mais autoritárias.
Optámos pela fonte FF DIN. Foi criada em 1995 por Albert-Jan Pool, após lhe ter sido sugerido (por Erik Spiekermann, autor da FF Meta, uma das suas fontes mais conhecidas) que tentasse revitalizar a original DIN 1451, de 1923. Alguns dos usos mais reconhecíveis em Portugal incluem a corporate identity do Metro do Porto e os visuais da RTP (nomeadamente o Telejornal, que utiliza a mesma fonte condensada nos títulos e leads das notícias). Na Alemanha, desempenha um papel fulcral na sinalética dos transportes rodoviários. Ainda, um pouco pela Europa, a DIN surge inúmeras vezes em matrículas.
Como foi possível recorrer à cor nesta proposta, decidimos adiantar um pouco mais da história de 1984 e utilizámos tons de verde esbatidos. O objetivo é transmitir um ideário de aceitação plena (do Big Brother, segundo conta a história), enquanto um sobretom clínico e racional está espelhado no degradée de cinza para verde da tipografia em si. Com esta paleta inócua, relativamente à história, não pretendemos revelar demasiado ou projetar opiniões pessoais, antes criar uma atmosfera de curiosidade e aceitação no observador.
O processo de construção da imagem foi relativamente simples, embora tenha consumido bastante tempo e tenha sido bastante repetitivo. Os números foram definidos com um stroke para guiar o preenchimento, que foi posteriormente realizado palavra a palavra (à volta de 150 palavras). A parte mais complexa deste processo foi garantir que, uma vez oculto o stroke que servia de guia, o nome continuaria facilmente percetível. Para isto, e voltando a mencionar os princípios Gestalt estudados na primeira proposta, os vértices e curvaturas de cada letras foram alinhados com proximidade e semelhança aos contornos mais próximos, produzindo linhas imaginárias que o observador interpreta como sendo um número. Neste aspeto, a escolha duma tipografia tão condensada auxiliou na compreensão do todo, embora tenha sido emparelhada com trabalho extenso de tracking manual de cada palavra, de modo a incutir mais textura e variação à composição. O leading, embora seja diferenciado consoante o número, é mais constrito nas mudanças.
Em baixo da composição maior, as três máximas do Ingsoc, que representam o poder total do Partido e também a chave para este ser derrubado através da consciência política: "WAR IS PEACE. FREEDOM IS SLAVERY. IGNORANCE IS STRENGTH."
Estas três afirmações poderosas foram colocadas fora do contexto geral da composição para ganharem destaque e reafirmarem a importância da obra. Relativamente à composição, têm maior visibilidade e identificação por estarem destacadas e por recorrerem a um subtipo da DIN mais ligeiro.
Para executar o conceito, recorremos ao Illustrator devido não só à fácil manipulação e escalabilidade das imagens mas também pela abundância de controlos de texto e tipografia bastante flexíveis, que produzem bons resultados e auxiliam o efeito pretendido.
Usos reais
Para concluir, após apresentar as potenciais ideias, a ideia final, a execução e o porquê das escolhas feitas, refletimos sobre a possível aplicação desta composição no mundo real.
Não havendo um enquadramento proposto, ao contrário do trabalho realizado previamente, os usos desta imagem são praticamente ilimitados: outdoors, revistas, posters de lançamento, capas de livro, T-shirts, wallpapers, tecidos, etcetera.
Isto deve-se à variação de escalas que executámos na proposta, havendo quer pedaços de texto muito pequenos bons para leitura aproximada num suporte grande, quer palavras instantaneamente reconhecíveis a dimensões pequenas. Assim, a imagem não está restrita a um tipo de suporte ou de produção, permitindo uma flexibilidade aprazível. Na área do design de comunicação, estas são mais-valias que arrebatam certos projetos em detrimento de outros, como uma possível proposta de trabalho, por exemplo.
(Download em formato Illustrator. As fontes foram convertidas para paths)
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